Regulamentação das mídias é defensável juridicamente e reclame de nosso tempo

Por Ricardo Marques de Almeida

Dizer o que é verdade ou o que é mentira não é o papel do Estado, mas da mídia responsável. Quando a Lei de Imprensa foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, se firmou entendimento de que o controle da imprensa só pode ocorrer a posteriori.

Mas deu. E só por causa da imprensa livre e responsável.

O STF, ao firmar o entendimento, fez muitas referências ao passado, quando a censura cerceava a liberdade de imprensa, artísticas e até mesmo de agentes públicos. Em 1974, quando o Brasil vivia uma epidemia de meningite, o ministro da Saúde deu entrevista que foi censurada sobre a doença que assolava o país [2]. Não foram poucas as referências à Lei de Imprensa como “entulho autoritário” na ADPF nº 130.  Houve uma fixação a priori dos limites do direito. “Quando se tem um conflito possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade”, decidiu o ministro Menezes Direito. De qualquer sorte, inegavelmente se tratou de uma decisão histórica.

A liberdade, um dos direitos mais sagrados, é sujeita a limites. Até a liberdade ambulatorial pode ser previamente monitorada pela segurança pública ostensiva (regulamentação) ou ser até completamente aniquilada, numa sentença condenatória transitada em julgado, sob o devido processo legal. Por que não se pode regulamentar a liberdade nas mídias sociais?

Para mim, o problema é o como fazê-lo. O Marco Civil da Internet, a Lei 12.965/2014, confere primazia à decisão judicial em algumas questões-chave objeto de comunicação digital, como o acesso ao “conteúdo de comunicações privadas” (artigo 10, §2º), e a prévia decisão judicial de remoção de conteúdo gerado por terceiros como precondição para a responsabilização das plataformas digitais (artigo 19, caput). Alguma regulamentação já existe, mas não especificamente sobre os problemas que despertam a atenção mundial.

Regulamentar pode passar a impressão de que se está restringindo direitos, mas é justamente o contrário do que ocorre. Se não é possível identificar limites imanentes aos direitos, dizer que direito está protegido ou pode ser exercido, pois os direitos devem proteger o máximo de situações possíveis.

Segundo Virgílo Afonso da Silva [3]“não se deve excluir de antemão, da proteção dos direitos fundamentais, condutas, estados e posições jurídicas que possuam algum elemento, por mais ínfimo que seja, que justificaria tal proteção”. Não se pode, assim, deixar de distinguir o direito de sua restrição e trazer o ônus argumentativo constitucional ao administrador, legislador e julgador de externar os fundamentos pelos quais se deu primazia a essa ou aquela posição. É por aí que vem o controle democrático da regulamentação, afastada qualquer censura ou mesmo controles disfarçados que são defendidos com argumentações a priori.

A liberdade nas mídias sociais é passível de regulamentação como qualquer direito e regulamentar pode funcionar, não apenas para restringir, mas até mesmo para expandir a eficácia do direito. A regulamentação das mídias sociais, que terá na Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia da Advocacia-Geral da União um dos seus agentes provocadores, sob escrutínio público e democrático, é juridicamente defensável, possível e desejável. É um reclame de nosso tempo.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-mar-05/ricardo-marques-almeida-regulamentacao-midias

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